“No dia em que o umbigo da criança caía, a parteira, madrinha
de todos os nascimentos, o enterrava em lugar escolhido. Se no jardim com
flores, a menina seria bela e boa jardineira; se na horta, o menino seria
lavrador e, se no curral, boiadeiro. O destino era assim escolhido sem outros
inúteis anseios. Assim sendo, nascer era tão bonito que acreditar em outra vida
era coisa muito simples [...]”.
Trecho do livro Indez,
primeiro capítulo, de Bartolomeu Campos de Queirós.
Jamais me ocorreu plantar, regar e esperar pacientemente
qualquer coisa brotar na terra, e a julgar pelo meu talento nesta área e minha
imaginação desgovernada, haveria grandes possibilidades de que eu ficasse por
meses à espera de uma árvore de anzóis com flores de peixe beta. E aposto que você concorda que seria
uma linda e improvável árvore.
Dito isto, reconheço ser uma irresponsável botânica, cuja
ação de cultivar flores se dilui no meu cotidiano de esquecimentos em no máximo
três ou quatro dias.
Mas então, imagine como seria ver o amarelo nascer, plantar
uma pequena semente na expectativa de uma cor.
Recentemente perdi um objeto com ilustração de uma grande
obra de arte do século XIX, chamada "Os doze girassóis", era um
desses objetos ao qual atribuímos memória e sentimentos, e que eu nomeio de objetos de uso
emocional. Essa perda me fez refletir sobre o valor das coisas. Não o preço
cobrado por elas, mas o quanto elas valem para nós.
Após esse episódio, recebi de um amigo artista que possui
forte identificação com a terra, a promessa de que cultivaria girassóis para
mim, de modo, que o figurativo se reconfiguraria no literal através de uma ação
processual que se apresenta no verbo: cultivar.
Ele prepara a terra, planta e espera o tempo da flor, com uma
dedicação e esperança familiar de alguém que veio de uma cidade pequena, e
conhece muito bem o som da terra germinando.
Eu, de modo quase infame, elaboro minha construção mental
deste jardim de um vaso só, mas com predisposição para o afeto, e assim, simbolicamente
exercitamos a desaceleração do tempo e a construção coletiva de ações
cotidianas ou simplesmente o cultivo de um ou quem sabe vários girassóis.
Esse gesto se configurou em uma proposição artística com
aproximações que se dão enquanto compartilhamos uma ESPERA em comum, mas também
é uma experiência de vida mediada por uma ação do dia-a-dia.
Á priori existia a expressa intenção de dar uma forma
orgânica às lembranças que foram embora com aquele objeto perdido, ao mesmo
tempo em que prevíamos um encontro de modo mais sensorial e menos descritivo.
Deste modo, estivemos aqui, diariamente a plantar memórias e
construir diálogos entorno deste pequeno vaso, que a principio apenas soube que
dividiria espaço com uma flor de manjericão roxo e que desde os primeiros dias
já se curvaria em direção ao sol.
Assim nasceu este jardim, regado com água, afeto
e esperança matinal, e se, apesar dos esforços, nenhuma flor brotasse, dizíamos
que ainda assim teríamos um jardim.
A
Obra:
Em tempos
cada vez mais freqüentes de substituições do real pelo virtual através de jogos
virtuais de imitação da vida, surgiu este Jardim como mediador de uma distancia
geográfica, que se dá pela via do afeto, em pontes invisíveis que nos conecta a
espaços de convívio afetivo e nos mantém entre lugares como um ambiente comum
aos dois. Ele nasceu pelo desejo de interlocução com o Outro, interpelado pela
urgência das relações humanas, de maneira que se configura em outro modo de
lidar com o tempo e a espera, operando no exercício do cotidiano, através da
metáfora do jardim: O cultivo, a espera, o florescimento.
Este
Jardim ainda está sendo cultivado, e dado o fato de que é um trabalho que
envolve um processo natural que independe de nosso tempo para executá-lo,
sabemos que ainda serão incorporadas a esta coleção de imagens, de 8 a 10
imagens e/ou textos, assim como sabemos que possivelmente até a abertura da
exposição esse Jardim chegará ao limite de seu florescimento e conseqüente extinção, visto que o jardim terá um fim, uma vez que se
trata de um tipo de “planta caduca”, ou seja, é um tipo de jardim que perece
logo após florescer.
O Jardim:
Jardim de vários umbigos. 2013
Os cadernos de:
Bebeto Bahia Duarte e Carla Evanovitch são parte integrante desse trabalho e foram elaborados durante a espera pela chegada do Jardim ao longo de quase três meses de conversa via rede social.
(em breve, os cadernos estarão disponíveis nesta página)
Projeto Expográfico: