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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Cidades Vulneráveis - Prêmio SIM de Artes Visuais - Espaço Casa das Onze Janelas. 2008


A violência urbana antes escondida em vielas, esquinas e becos tornam-se cada vez mais presentes nos lugares e situações mais triviais, assim como em ações tão necessárias quanto andar. Fazer o mesmo percurso todas as manhãs em direção ao trabalho, retornando para casa ao final do dia, pode implicar em riscos que se originam de naturezas distintas, em armadilhas que podem estar arraigadas em pequenas trapaças do dia-a-dia, como furtos, arbitrariedades e ações de má fé dos personagens da cidade, que enganam e vilipendiam-se a troco de quase nada, nas esquinas escuras das grandes avenidas. E para quem vive numa cidade de médio e grande porte, é necessário compreender que uma metrópole também é formada por estes e tantos outros perigos, visto que a formatividade do referido trabalho é o registro e o fragmento de uma cena que se refere à vulnerabilidade presente na cidade, e que pode tratar-se do local revisitado diariamente ou mesmo das pessoas que transitam pela Avenida.
Uma vez que a placa de rua utilizada como elemento integrante do trabalho, foi colhida após uma batida de carro, na Avenida Almirante Barroso, a mais movimentada da cidade de Belém do Pará, e talvez a que tenha o maior número de óbitos registrados em acidentes de trânsito, sendo esta placa o próprio memorial descritivo de uma ação violenta, tão comumente vista em grandes avenidas, e que Milton Santos cita em um de seus escritos, ao afirmar que “o ritmo vertiginoso da cidade atual exige atenção permanente [...]” .
No entanto, trata-se de perigos que ilustram o amputamento de tantas histórias de vida, que tentam desviar-se da condição de alvo em trânsito, ao mesmo tempo em que vai de encontro a seus medos, em função da necessária e constante interação com o meio urbano em nome da sobrevivência, desta forma o trabalho propõe um diálogo com a cidade e seus elementos de vulnerabilidade.
De modo que uma placa contendo o nome da avenida e sua localização exata, dentro da galeria, deixa de ter a função de informar o nome da avenida, para tornar-se o registro de um lugar que agora trás para si, uma imobilidade que a impede de retornar para sua condição inicial, detendo-se a aspectos que representam a violência e a imprudência da Avenida, que agora antes de tudo, nos remete a um local de violência e morte, tirando do indivíduo à possibilidade de utilizar-se dela como um local de passagem, sem deixar parte de si. Construindo, dessa forma o perfil de um lugar, de uma situação, que a maioria de nós vivencia diariamente, propondo um resgate daquilo que um dia foi apenas uma pequena parte de nosso trajeto, enquanto que hoje, nossos olhos desacostumados a ver cenas cotidianas sem perdas humanas, testemunha penalizado o estado terminal dos percursos humanos interrompidos.

Para a concepção da vídeo-instalação, foi necessário a utilização de uma sala, em que foi colocada na parede de fora, a placa de rua, referente à Avenida Almirante Barroso, de maneira que ao passar pela porta, a cena vista era de um local sem iluminação, com paredes escuras, somente com a projeção de um vídeo, ocupando uma parede inteira. O vídeo mostrava o trajeto ao longo de toda a Avenida Almirante Barroso, até o conjunto Júlia Seffer, localizado 
na BR-316, em um dos horários de maior tráfego de carros, propondo um “passeio” do visitante às 19:00 horas da noite em direção Belém/Ananindeua (retorno para casa). Assumindo a possibilidade de “presenciar” todos os riscos e cenas cotidianas, impostas pelo caos urbano.
De modo, que o vídeo propõe conduzir o olhar do visitante da exposição a partir da visão de um morador do Município de ANANINDEUA-PA, que reside no lado oposto a seu trabalho e faculdade, e que se submete ao trânsito caótico todos os dias, atravessando a cidade, de um extremo a outro, para exercer suas atividades cotidianas, indo e voltando para casa, em um exercício diário e sem fim.

Citação de Milton Santos, encontrada na publicação: Poéticas do Urbano. RAMOS, Célia Maria Antonacci (Org.). – Bermúcia, Nauemblu, 2005.




O vídeo com duração de 34 min e 10 segundos é conduzido partir do ponto de vista poético de um morador de Belém, desde o mercado de São Braz, região central até passar pelo portão de sua casa, no município na região metropolitana de Belém.


Nem lá, nem aqui: Entre
(Texto da Exposição)
.
“Essa posição precária e arriscada, talvez não seja o lugar certo para estar, mas é o único lugar de onde podemos encarar os desafios das novas ordens de espaço tempo.”
Miwon Kwon

Carla Evanovitch é consciente de que suas proposições não intencionam categorias claramente assentadas no parco sistema da arte local. Seus projetos operam em territórios pouco confortáveis, que apontam fragilidades das construções organizacionais da cidade e de estruturas de poder.
Expande com sua prática artística idéias sobre “trânsito”, seja este comunicacional ou físico, de maneira que se tornem determinantes à compreensão da cidade através de experiências de subjetivação.
É no intervalo, na longa e repetida vinculação espaço temporal entre lá e aqui que se constitui o lugar do conhecimento. E este é movente, instável e impreciso, mas Evanovitch sabe que a cartografia é imprescindível para unir dois pontos e tudo o que resta não está nem lá, nem aqui, mas no curto piscar que os conecta, no fragmento que é a vida.

Orlando Maneschy
 Artista e Curador Independente




Cidades Vulneráveis - Prêmio SIM de Artes Visuais 2008.

Museu Casa das Onze Janelas.

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